O título acima soa de gosto duvidoso.
Proposital, garanto. E nada mais, reforço a garantia. O amor rivaliza com todo
e qualquer tipo de garantia. Mas, sobre o título, ele vem da narrativa das
seguidas tristezas de dona Minervina. Hoje, uma senhora, das frequentes em
sermões em templos acanhados e discursos febris. Mas que guardou enquanto pôde
um segredo que lhe carcomia as entranhas todas as manhãs.
Dona Minervina sempre se dispôs a dar amores a
Belarmino. Desde o dia que se conheceram em Murais do Beco, cidade interiorana,
mas de avassaladora vida boêmia.
Em já distante dia de mormaço, estava cedo dona
Minervina de prontidão na janela, a fugir do segredo que lhe amargurava. Foi
quando viu descendo, faceiro, o Belarmino, de retorno do baile tradicional das
segundas-feiras de Murais do Beco. Zélia Olivinha, que sempre se comprazia em
testemunhar o despertar de testa suada da dona Minervina, que precisava do ar
fresco da manhã para acalmar ânimos, jamais pensou que daria em casamento aquela
cena safada de entrega da vizinha de frente ao transeunte quase desconhecido de
retorno do baile. E deu. Com véu, grinalda, e um respeito duradouro entre
Belarmino e dona Minervina. Que tantos anos depois, na condição de vendedora de
iguarias comercializadas dentro da delegacia, surgiu no fim do meu turno.
- Vim dá seu troco.
- Ô dona Minervina, bobagem. Fica para a
senhora. Não tinha a menor necessidade de vir aqui, ainda mais tão tarde da
noite, de madrugada.
- Olha bem, fiii. É tarde não. É cedo. Bem cedo.
E não é que o arrebol estava se engraçado mesmo
com as nuvens que se arrastavam pelo céu desde o fim da noite?!
- Cedo, fiii. E essa véia aqui sabe o que o
calor que se chega junto do sol.
- Ah, mas o sol de manhã é fraquinho...
- Num é calor do sol, é calor da vida. A véia
foi praguejada a sofrer de calor toda manhã.
- Ué...
- Pois é, fiii...Enquanto tem ente cabando de
sonhar, to eu, desde sempre, com as canela estirada, e um coração que bate
feito coice de mula. Os oios tudo esbugaiado. Eita coceira, fio. Ninguém num vê
não. Só o Belarmino me pegou assim, de jeito, disprivinida, e deu na doideira
que deu. Quem mandou aquele besta me cruzá caminho longo di manhazinha?! Eu é
que peguei o safado de jeito. Hehihi...Depois, casamo. Por querência dele e de
meu pai. Eu já sabia que tava condenando o pobre diabo. Mas num tive coragi de
arrostar os dois.
- Casamento pode ser bom...
- Não se a muié é carcomida pela minha praga e o
danado do marido tem sono atrasado.
- E ele tem?
- É duas ou três da manhã quando o estrupício
dormi, fii. É sono de homi do mundo. Quando os calores do sol atacam a véia
aqui, Belarmino é defunto.
- ...
- Nóis nem tem, fii. Junto...E eu inté que
queria que ele fosse para a bagunça fazer um. Num vai, me jura respeito e que
num vai caçar cunversa na rua. E de manha, quando eu tento caçar cunversa
dentro de casa, o difunto é mais difunto que nunca.
- Que coisa...
- No cumeço ardia, depois duía. Cum tempo, virei
gente. Com dor de gente, vida de gente. Deixo a vida correr todinha. Cedinha,
cedinha e sei que dispois vai imbora.
- Mas, dona Belarmina, não existe outro jeito?
- Jeito, jeito tem. Correr mundo inda cedinho e
deixa nas pegada da vida o calor que era de Belarmino.
- Pelo menos, vocês se guardam um para o outro.
A senhora sabe que ele lhe tem amor.
- Amor que tarda, fii, num é amor. É coceira, di
certo.