Quando algemei José Paulo, pude ver a ponta dos
dedos e o resto das mãos cravados de farpas. Ele mancava devido ao ferimento
provocado por um tiro que recebeu ao levantar um banco em direção do policial
que o abordava – o cana o havia alertado que, se mantivesse o banco na mão,
iria tomar o tiro. – O cara não soltou o banco, aí não teve jeito, me contou o colega.
A prisão do grupo de quatro especialistas em
furtar e roubar residências – ao qual pertencia José Paulo – deveria ser o
destaque de meu último plantão. Há dias eles rondavam moradias e causavam
terror em bairros diversos. Fato alardeado aos quatro cantos pela imprensa
local. Formação de quadrilha, cárcere privado, furto qualificado e diversas
outras incidências da lei penal estavam no currículo daquela canalha.
Mas a festiva sensação de dever cumprido
degradou-se por um silêncio súbito pairando sobre a cela provisória onde os
detentos aguardaram o encaminhamento ao presídio.
Em cela ou em presídio, o silêncio é o pior
sintoma. A sinfonia muda de um prefácio de terror. Todos os policiais
disponíveis, em presságio coletivo, foram para os fundos da delegacia. E lá
estava José Paulo, com uma estaca de madeira cravada em seu peito. E todos os seus
“companheiros” de cabeça baixa, mudos no pacto de silêncio que une autores de
tragédias premeditadas.
O silêncio durou até separarmos os
“sobreviventes”. Longe um dos outros, não foi difícil alimentar o temor dentre
eles de que um entregasse o outro de bandeja como responsável pelo crime. A
autoria não ficou bem esclarecida, porém. Apenas a motivação.
- Foi o carpinteiro que ferrou nóis... Ele tinha
que aprender.
O relato que se seguiu, sobre a execução,
demonstrou a forma de agir do grupo. José Paulo, o carpinteiro, era o mais novo
dentre eles. O único a aparentar alguma dignidade de trabalhador. Os outros
tinham a cara de quem a sociedade mastiga e cospe.
- Ele que entrava nas casa. Os pessoal confiava
sempre nele.
A confiança abriu muitas portas. Todas para que
José Paulo ganhasse crédito junto aos donos das residências, de forma
suficiente para franquear o acesso aos outros integrantes do bando.
- Mas ele tinha um gosto pela carpintaria. E o
senhor sabe, nóis tem que escolhê, ou é ladrão ou num é! Num tem bagunça não.
A dúvida selou o destino do carpinteiro.
- O último serviço foi lá em casa. Ele tinha
cara de menino bom.
Foi o depoimento da última vítima, convidada a
comparecer para o reconhecimento, que nos esclareceu os detalhes do modus operandi, não do bando, mas de
José Paulo.
- O senhor acredita que quase tudo que
contratamos o danado fez. Com capricho. Menos um banco que eu tinha pedido para
ele consertar.
- É, ele estava com um banco na mão quando nós o
prendemos.
O depoimento de um dos bandidos finalmente
fechou a história.
- Pois é, senhor. Ele disse que tinha que consertá
um banco. Ixi, fudeu nóis. Num
conseguimo ir embora, esperando o carpiteiro. Já tinha quase fudido nóis tudo
uma vez. Eu disse que nóis ia ferrar ele da próxima.
Sim, na ânsia de dar seu serviço por completo,
como sempre fizera nas outras casas por onde passou, o carpinteiro atrasou o
bando tempo suficiente para que a polícia que fazia ronda no local percebesse
algo errado. Bando preso, enfim.
- E como ele morreu?
- Ah, senhor, morreu como divia...morreu com um
pau no meio dos peito.
Sim, um descuido da faxineira havia deixado um cabo
de vassoura próximo à cela. Perto o suficiente para que, imaginem, Paulo José o
pegasse, sem prever que a última obra em madeira com a qual conviveria não
seria feita pelas suas mãos.
- É, senhor, já que o muleque gostava tanto de
madeira, agora vai ficar pertinho dela de vez.
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