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sábado, 7 de janeiro de 2012

RESPEITEMOS JANUÁRIO!

Ah, sêo Januário. Cliente antigo. Primeiro, talvez. Caso de neurose freudiana crônica e encarnada. Passagens diversas por este meu balcão, do alto de onde eu já adquirira certa paciência em um "cadinho" de carinho por uma pessoa que acreditava no mundo perfeito. Não perfeição nas idéias, mas nas práticas cotidianas.

Comportamento que lhe valeu muitas vindas de madrugada ao meu plantão. Eu era único que lhe atendia, ainda, com boa vontade. Visitou-me na condição de autor e vítima. A história é que sempre foi a mesma: perder a razão sempre que se via diante de um pormenor em desconformidade com os acordos que havia assinado.

Vale o tributo a sêo Januário: nunca pousara diante de mim em razão de um acordo descumprido por ele ou algum motivo que desse a outrem razão para queixas. Nunca! Suas visitas sempre foram fruto da impaciência - que virarava raiva - quando tentatavam enrolá-lo, o que descabava para xingamentos, brigas e murros. E o velhote nem se saía mal. No mais das vezes, era ele quem passava de ofendido a ofensor, por sentar a mão em algum vigarista, tentando a passar a perna no velhinho de pouca conversa, muita atitude e sem meias palavras.

Bastava conhecer um pouco mais sêo Januário para entender sua forma de agir. Tive a chance de visitar sua marcenaria (era carpinteiro). Tudo o que se via estava em seu devido lugar. Os móveis que lhe eram encomendados ou as reformas a ele confiadas o eram porque, além de bem feitos, tinham um detalhe a mais. Sêo Januário cuidava com extremo zelo do que se via e do que não se via. As partes ocultas de um móvel eram tão importantes para ele quanto o exterior. Prazos em sua vida eram fatais. Eram respeitados como se respeitasse uma medida judicial (ele acreditava na ordem dos juízes). E todo esse zelo era transportado para a vida do fazedor de móveis. Que não conseguia viver sem o sacrossanto respeito aos contratos de forma extremada.

Ah, sêo Januário...

- Olá, garoto, você aqui? Você é filho do sêo Januário, não? Luiz alguma coisa...né? 
- Sim...
- E como está seu avô, meu amigo? Já tem uma semana que não o vejo...ainda bem...rs...
- Apertado...
- Mas o véio nunca foi de fazer dívida. É dinheiro?
- Apertado no caixão, seu polícial. Ele enfartou. Morte na hora. Ontem, pela manhã. Foi descansar o véio, já tinha brigado demais nesta vida.
- Deus o tenha. Já foi enterrado?
- Foi não. Por isso vim aqui. Encomendamos o caixão. Entregaram ele torto, tortinho. O véio ficou apertado demais. Ele merece respeito na hora de morrer. Vim fazer uma queixa...Ah se o véio estivesse vivo.
- Claro, filho. Claro, seu avô merece.

Ah, sêo Januário. Que mundo é este no qual não temos nem direito a um caixão onde podemos nos revirar de raiva?...

Ps: no post anterior, a obra em referência é "1984" e não "1986". Perdoem-me!

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