Acordei há dez minutos. Achei que tinha babado de sono sobre as páginas do meu exemplar de "1984", de Aldous Huxley. Era suor, na verdade. Do estresse provocado pelo pesadelo do qual eu ainda me recuperava.
Impressionado pelas páginas daquele livro, eu submergi dentro do fascismo engendrado pelo enredo. Mas com contexto diferenciado. Se um sonho pode lhe interessar, aqui vai o meu. Ainda da estirpe policial, vi-me envolvido com um novo tipo de crime.
Eram dias distantes do sistema opressor retratado por "1986". Naqueles dias, todo cerceamento às liberdades individuais fora extirpado. Deu-se um ponto final à estrutura que limitava os direitos dos homens ao extremo.
Nosso aparato repressivo lutava, com toda sua força, para reprimir um inusitado comércio, refugo dos anos de uma intervenção eugenista da engenharia dos gens.Traficava-se conhecimento de engenharia genética, catalisado na droga conhecida como eternum. Que consistia em um produto capaz de revitalizar todo o indivíduo, dando-lhe o fado da vida eterna.
A droga fora proscrita anos antes, a pedido de seu próprio criador. Em troca do silencio sobre seu trabalho, ele ofereceu o antídoto à sua criação, que nada mais fazia do que conceder a mortalidade a quem de direito. Dilemas do ano de 2036.Afirmou que trocaria o segredo pela própria liberdade. Que lhe foi concedida. Mas sua vida acadêmica era o esconderijo de sua vaidade. E foi nela que depositou o êxito de sua experiência com o eternum, em desacordo com o que acertara com a polìcia - de silenciar sobre a droga criada.
Em busca da liberdade de científica, acadêmicos circularam em grupos restritos, de outros acadêmicos, a fórmula de recomposição orgânica. Os primeiros acadêmicos firmaram e respeitaram o pacto de guardar os segredos do estudo sobre a vida eterna. E alguns decidiram fazer do acautelamento do segredo uma seita...o círculo dos eternos. E assim, seguiam seduzindo escolhidos, dentro e fora da academia, para um equivocado grupo de iniciados, cujo início também tornou-se fim.
Despertei para o problema ao conhecer um eterno. Uma pessoa normal, a um primeiro olhar, mas cuja voracidade despertava se,direta ou indiretamente, lhe questionavam a transcendência da vida. Uma humildade de discurso e de postura se punha por terra, para que se desvelasse a escadaria da soberba do alta da qual vociferava diminutivos contra os que criam apenas que na vida se vive e se morre. A missão da policia passou a ser evitar que a sedutora proposta de vida eterna alimentasse o círculo dos eternos.
Chamava a atenção que a nova classe de usuários/traficantes de eternidade elegessem como seus hospedeiros as pessoas mais jovens. A vida eterna era uma oferta aos que sequer conheciam a vida como, até então, ela era. E o que seduzia jovens até o círculo da eternidade? Foi o que procurei descobrir quando tive a missão de me infiltrar no grupo. Os primeiros contatos com a seita me deu a resposta existência de um mito tão caro à cultura ocidental: vaidade sedutora dos vampiros.
Diante da busca pelo eternum vi que a mitologia do drácula e toda sua simbologia sedutora nada mais são do que uma vestimenta de sobrevivência de nossos instintos mais encrustrados para atrair sangue e esconder o peso da eternidade. E o que eles caçam no calor do sangue é um motivo para oferecer aos homens (que são nossa racionalidade) justificativa para que suas vidas sejam ceifadas e, finalmente, encontrem um fim. Só que homens precisam de vampiros como Dráculo necessita de sangue. Apenas uma tergiversação...
O fato é que senti ter ultrapassado a parte inicial do processo de infiltração, depois de um charmoso contato com uma doutoranda de Economia. A confiança necessária para entrar no grupo eu tinha, graças àquela moça, a porta de entrada para umas sete vidas que buscaram se perpetuar.
- Eu vou levá-lo a uma reunião. Você tem o perfil que querem. Mas quem decide é a família. Não eu. Preciso dopar você para não decorar o caminho. Só na primeira semana. Depois...rs.
Era um risco. Infiltração sempre é risco. Aceitei.
Quando acordei, estava no mesmo local onde marquei para encontrá-la.
- Por que não fomos? - Quem disse? A eternidade não é uma viagem simples. Há que merecê-la. Acho que a mereceu. A eternidade começa com um sonho. Estamos aqui...no seu sonho. Acorde para seu sonho de eternidade. O resto é obra do tempo. E, quero que lembre-se: a eternidade começa com um sonho. Ah...saiba também o que todos nós descobrimos. Que ao se ver uma foto, nós vemos o tempo. Não o passado.
Quando direcionei minha mão para pegar o gola da enigmática eterna, deixei cair meu grampeador.
Acordei do meu pesadelo regado a Huxley. E preferi não dormir mais, por via das dúvidas.
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