Código html Google estatísticas

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

WOODWORKER


Quando algemei José Paulo, pude ver a ponta dos dedos e o resto das mãos cravados de farpas. Ele mancava devido ao ferimento provocado por um tiro que recebeu ao levantar um banco em direção do policial que o abordava – o cana o havia alertado que, se mantivesse o banco na mão, iria tomar o tiro. – O cara não soltou o banco, aí não teve jeito, me contou o colega.

A prisão do grupo de quatro especialistas em furtar e roubar residências – ao qual pertencia José Paulo – deveria ser o destaque de meu último plantão. Há dias eles rondavam moradias e causavam terror em bairros diversos. Fato alardeado aos quatro cantos pela imprensa local. Formação de quadrilha, cárcere privado, furto qualificado e diversas outras incidências da lei penal estavam no currículo daquela canalha.

Mas a festiva sensação de dever cumprido degradou-se por um silêncio súbito pairando sobre a cela provisória onde os detentos aguardaram o encaminhamento ao presídio.

Em cela ou em presídio, o silêncio é o pior sintoma. A sinfonia muda de um prefácio de terror. Todos os policiais disponíveis, em presságio coletivo, foram para os fundos da delegacia. E lá estava José Paulo, com uma estaca de madeira cravada em seu peito. E todos os seus “companheiros” de cabeça baixa, mudos no pacto de silêncio que une autores de tragédias premeditadas.

O silêncio durou até separarmos os “sobreviventes”. Longe um dos outros, não foi difícil alimentar o temor dentre eles de que um entregasse o outro de bandeja como responsável pelo crime. A autoria não ficou bem esclarecida, porém. Apenas a motivação.

- Foi o carpinteiro que ferrou nóis... Ele tinha que aprender.

O relato que se seguiu, sobre a execução, demonstrou a forma de agir do grupo. José Paulo, o carpinteiro, era o mais novo dentre eles. O único a aparentar alguma dignidade de trabalhador. Os outros tinham a cara de quem a sociedade mastiga e cospe.

- Ele que entrava nas casa. Os pessoal confiava sempre nele.

A confiança abriu muitas portas. Todas para que José Paulo ganhasse crédito junto aos donos das residências, de forma suficiente para franquear o acesso aos outros integrantes do bando.

- Mas ele tinha um gosto pela carpintaria. E o senhor sabe, nóis tem que escolhê, ou é ladrão ou num é! Num tem bagunça não.

A dúvida selou o destino do carpinteiro.

- O último serviço foi lá em casa. Ele tinha cara de menino bom.

Foi o depoimento da última vítima, convidada a comparecer para o reconhecimento, que nos esclareceu os detalhes do modus operandi, não do bando, mas de José Paulo.

- O senhor acredita que quase tudo que contratamos o danado fez. Com capricho. Menos um banco que eu tinha pedido para ele consertar.

- É, ele estava com um banco na mão quando nós o prendemos.

O depoimento de um dos bandidos finalmente fechou a história.

- Pois é, senhor. Ele disse que tinha que consertá um banco.  Ixi, fudeu nóis. Num conseguimo ir embora, esperando o carpiteiro. Já tinha quase fudido nóis tudo uma vez. Eu disse que nóis ia ferrar ele da próxima.

Sim, na ânsia de dar seu serviço por completo, como sempre fizera nas outras casas por onde passou, o carpinteiro atrasou o bando tempo suficiente para que a polícia que fazia ronda no local percebesse algo errado. Bando preso, enfim.

- E como ele morreu?

- Ah, senhor, morreu como divia...morreu com um pau no meio dos peito.

Sim, um descuido da faxineira havia deixado um cabo de vassoura próximo à cela. Perto o suficiente para que, imaginem, Paulo José o pegasse, sem prever que a última obra em madeira com a qual conviveria não seria feita pelas suas mãos.

- É, senhor, já que o muleque gostava tanto de madeira, agora vai ficar pertinho dela de vez.






sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

CONHECE TUA INTERROGAÇÃO


O oráculo. Invenção humana que ganha respaldo se creditada ao divino. E como nos impressiona. Lá estão as respostas. Mas quer saber? Durante o plantão de hoje acabei estabelecendo que os oráculos continuam sendo o que são, só que a era atual se caracteriza pela forma como lidamos com os mensageiros do futuro. A época atual difere das anteriores por um fato simples. Hoje, tão importante quanto saber a resposta do oráculo é a busca pela pergunta adequada.

Claro que nosso oráculo é a rede mundial de computadores.  E a nova era – a de Aquárius ninguém sabe ninguém viu... – é a do comodismo informacional. A informação é um perdigueiro, que busca de forma incansável seu destino. Hoje, o destinatário senta e se refestela em meio a dados e alertas informativos. Eis a razão (ou uma das razões) pela qual o oráculo sedento de respostas corre o risco de limitar-se a responder a um número restrito de perguntas. Quando pode mais, muito mais que isso.

Qual o propósito dessa reflexão? Bom, em algum momento tinha que preencher estas páginas, virtuais, com filosofia de botequim. Sente aí, tome mais um gole, seja feliz e diletante.

E o fio da meada de tudo o que está aqui começou com a voz sussurrante de Chet Baker. Que, se forem procurar na rede, saberão que pode ter sido a influência fundamental de João Gilberto e sua vozinha bossa nova – é possível encontrar controvérsias, claro (onde mesmo?).

Ao escutar Chet Baker, fiz um mea culpa sobre as limitações da humanidade. Ao ouvi-lo acompanhado de Stan Getz, simplesmente vi que a raça humana é capaz de prodígios do quilate daqueles caras. Acabei indo mais a fundo no prodigioso universo da vida da música de acabei sabendo: um dia, um sujeito chamado Pitágoras esticou uma corda, percebeu que exatamente metade dela estaria o que depois de tudo foi chamado de “oitava”. E criou o sistema capaz de dar elementos para a sistematização da música. Entendam!!! A alma ganhou voz.

Outro pensamento que me foi ofertado pela net diz que a música, em si, não é arte. Mas a sua execução o é. Ou seja, domar vibração e fazer arte é elevar o estatus tão combalido desta tal gente.

Aí, se me peguei descobrindo que foi Pitágoras e seu monocórdio que meteram o cérebro na história da música, decidir sentar a pua no oráculo. Quis saber quem deu o nome de Sol à nota musical Sol. Eu tinha a pergunta, e o oráculo a resposta: foi um frei Beneditino.

Guido D´Arezzo que teve a ideia. A lógica é simples. Pegou as sílabas iniciais de um hino a São João Batista (Ut queant laxis / Re sonare fibris / Mi ra gestorum / Fa muli tuorum / Sol ve polluti / La bii reatum / Sancte Ioannes) e com elas nominou o que hoje conhecemos como:

Dó= Ut (como era de difícil solfejo, o Ut saiu e ficou Dó);
Ré= (Re sonare)
Mi= (Mi Ra)
Fá= (Fa muli)
Sol= (Sol vê)
Lá= (La bii)
Si=( Sante Iohannes).

Fabuloso! É a alma falando do resultado de um diálogo produzido com a divindade via oráculo. Mas estamos a cada dia mais parecidos a repórteres que conseguem uma entrevista com Deus e, ao chegarmos lá, o tradutor não tem respostas a dar porque não há perguntas. O que me leva à última conclusão: o sobrenatural não mais é do que um grito de um Deus enjoado de se manifestar pela sutileza a tantos míopes.

Vendo longe assim, será que realmente há necessidade de um oráculo para nos dizer do amanhã?



“Ó homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo- inscrição no Oráculo de Delfos”.

sábado, 7 de janeiro de 2012

RESPEITEMOS JANUÁRIO!

Ah, sêo Januário. Cliente antigo. Primeiro, talvez. Caso de neurose freudiana crônica e encarnada. Passagens diversas por este meu balcão, do alto de onde eu já adquirira certa paciência em um "cadinho" de carinho por uma pessoa que acreditava no mundo perfeito. Não perfeição nas idéias, mas nas práticas cotidianas.

Comportamento que lhe valeu muitas vindas de madrugada ao meu plantão. Eu era único que lhe atendia, ainda, com boa vontade. Visitou-me na condição de autor e vítima. A história é que sempre foi a mesma: perder a razão sempre que se via diante de um pormenor em desconformidade com os acordos que havia assinado.

Vale o tributo a sêo Januário: nunca pousara diante de mim em razão de um acordo descumprido por ele ou algum motivo que desse a outrem razão para queixas. Nunca! Suas visitas sempre foram fruto da impaciência - que virarava raiva - quando tentatavam enrolá-lo, o que descabava para xingamentos, brigas e murros. E o velhote nem se saía mal. No mais das vezes, era ele quem passava de ofendido a ofensor, por sentar a mão em algum vigarista, tentando a passar a perna no velhinho de pouca conversa, muita atitude e sem meias palavras.

Bastava conhecer um pouco mais sêo Januário para entender sua forma de agir. Tive a chance de visitar sua marcenaria (era carpinteiro). Tudo o que se via estava em seu devido lugar. Os móveis que lhe eram encomendados ou as reformas a ele confiadas o eram porque, além de bem feitos, tinham um detalhe a mais. Sêo Januário cuidava com extremo zelo do que se via e do que não se via. As partes ocultas de um móvel eram tão importantes para ele quanto o exterior. Prazos em sua vida eram fatais. Eram respeitados como se respeitasse uma medida judicial (ele acreditava na ordem dos juízes). E todo esse zelo era transportado para a vida do fazedor de móveis. Que não conseguia viver sem o sacrossanto respeito aos contratos de forma extremada.

Ah, sêo Januário...

- Olá, garoto, você aqui? Você é filho do sêo Januário, não? Luiz alguma coisa...né? 
- Sim...
- E como está seu avô, meu amigo? Já tem uma semana que não o vejo...ainda bem...rs...
- Apertado...
- Mas o véio nunca foi de fazer dívida. É dinheiro?
- Apertado no caixão, seu polícial. Ele enfartou. Morte na hora. Ontem, pela manhã. Foi descansar o véio, já tinha brigado demais nesta vida.
- Deus o tenha. Já foi enterrado?
- Foi não. Por isso vim aqui. Encomendamos o caixão. Entregaram ele torto, tortinho. O véio ficou apertado demais. Ele merece respeito na hora de morrer. Vim fazer uma queixa...Ah se o véio estivesse vivo.
- Claro, filho. Claro, seu avô merece.

Ah, sêo Januário. Que mundo é este no qual não temos nem direito a um caixão onde podemos nos revirar de raiva?...

Ps: no post anterior, a obra em referência é "1984" e não "1986". Perdoem-me!

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

E SE MORRESSE MINHA ÚNICA CERTEZA

Acordei há dez minutos. Achei que tinha babado de sono sobre as páginas do meu exemplar de "1984", de Aldous Huxley. Era suor, na verdade. Do estresse provocado pelo pesadelo do qual eu ainda me recuperava.

Impressionado pelas páginas daquele livro, eu submergi dentro do fascismo engendrado pelo enredo. Mas com contexto diferenciado. Se um sonho pode lhe interessar, aqui vai o meu. Ainda da estirpe policial, vi-me envolvido com um novo tipo de crime.

Eram dias distantes do sistema opressor retratado por "1986". Naqueles dias, todo cerceamento às liberdades individuais fora extirpado. Deu-se um ponto final à estrutura que limitava os direitos dos homens ao extremo.

Nosso aparato repressivo lutava, com toda sua força, para reprimir um inusitado comércio, refugo dos anos de uma intervenção eugenista da engenharia dos gens.Traficava-se conhecimento de engenharia genética, catalisado na droga conhecida como eternum. Que consistia em um produto capaz de revitalizar todo o indivíduo, dando-lhe o fado da vida eterna.

A droga fora proscrita anos antes, a pedido de seu próprio criador. Em troca do silencio sobre seu trabalho, ele ofereceu o antídoto à sua criação, que nada mais fazia do que conceder a mortalidade a quem de direito. Dilemas do ano de 2036.Afirmou que trocaria o segredo pela própria liberdade. Que lhe foi concedida. Mas sua vida acadêmica era o esconderijo de sua vaidade. E foi nela que depositou o êxito de sua experiência com o eternum, em desacordo com o que acertara com a polìcia - de silenciar sobre a droga criada.

Em busca da liberdade de científica, acadêmicos circularam em grupos restritos, de outros acadêmicos, a fórmula de recomposição orgânica. Os primeiros acadêmicos firmaram e respeitaram o pacto de guardar os segredos do estudo sobre a vida eterna. E alguns decidiram fazer do acautelamento do segredo uma seita...o círculo dos eternos. E assim, seguiam seduzindo escolhidos, dentro e fora da academia, para um equivocado grupo de iniciados, cujo início também tornou-se fim.

Despertei para o problema ao conhecer um eterno. Uma pessoa normal, a um primeiro olhar, mas cuja voracidade despertava se,direta ou indiretamente, lhe questionavam a transcendência da vida. Uma humildade de discurso e de postura se punha por terra, para que se desvelasse a escadaria da soberba do alta da qual vociferava diminutivos contra os que criam apenas que na vida se vive e se morre. A missão da policia passou a ser evitar que a sedutora proposta de vida eterna alimentasse o círculo dos eternos.

Chamava a atenção que a nova classe de usuários/traficantes de eternidade elegessem como seus hospedeiros as pessoas mais jovens. A vida eterna era uma oferta aos que sequer conheciam a vida como, até então, ela era. E o que seduzia jovens até o círculo da eternidade? Foi o que procurei descobrir quando tive a missão de me infiltrar no grupo. Os primeiros contatos com a seita me deu a resposta existência de um mito tão caro à cultura ocidental: vaidade sedutora dos vampiros.

Diante da busca pelo eternum vi que a mitologia do drácula e toda sua simbologia sedutora nada mais são do que uma vestimenta de sobrevivência de nossos instintos mais encrustrados para atrair sangue e esconder o peso da eternidade. E o que eles caçam no calor do sangue é um motivo para oferecer aos homens (que são nossa racionalidade) justificativa para que suas vidas sejam ceifadas e, finalmente, encontrem um fim. Só que homens precisam de vampiros como Dráculo necessita de sangue. Apenas uma tergiversação...

O fato é que senti ter ultrapassado a parte inicial do processo de infiltração, depois de um charmoso contato com uma doutoranda de Economia. A confiança necessária para entrar no grupo eu tinha, graças àquela moça, a porta de entrada para umas sete vidas que buscaram se perpetuar.

- Eu vou levá-lo a uma reunião. Você tem o perfil que querem. Mas quem decide é a família. Não eu. Preciso dopar você para não decorar o caminho. Só na primeira semana. Depois...rs.

Era um risco. Infiltração sempre é risco. Aceitei.

Quando acordei, estava no mesmo local onde marquei para encontrá-la.

- Por que não fomos? - Quem disse? A eternidade não é uma viagem simples. Há que merecê-la. Acho que a mereceu. A eternidade começa com um sonho. Estamos aqui...no seu sonho. Acorde para seu sonho de eternidade. O resto é obra do tempo. E, quero que lembre-se: a eternidade começa com um sonho. Ah...saiba também o que todos nós descobrimos. Que ao se ver uma foto, nós vemos o tempo. Não o passado.
Quando direcionei minha mão para pegar o gola da enigmática eterna, deixei cair meu grampeador.

Acordei do meu pesadelo regado a Huxley. E preferi não dormir mais, por via das dúvidas.