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sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O texto que virou memória

O Quinto Noturno manteve-se calado em meu peito anos, décadas. Emergiu em meio a uma euforia verborrágica. Não foi primeiro o verbo, mas a propalação em cadeia de frases, conceitos e a busca de uma voz. Como recém nascido, berrou em um fôlego bradado de sua estrutura disforme. Inicialmente, achei que seria uma apresentação. Descartei-o, depois. Virou lembrança. Mas memória só é memória se partilhada. Não sendo assim, é silêncio – e silêncio não tem categoria, diversidade. É silêncio, fim. Destino que não teve o texto abaixo, que a complacência paterna entendeu por bem tornar memória. E ponto. Mas não esperem mais disso. Pai de texto tem que ser esperto como Saturno, cujos filhos devorava. E escrita forte é aquela capaz de fugir do infantício e arrostar a paternidade, quiçá suprimi-la. Segue...


"O Quinto Noturno é uma construção do silêncio. Multiplica-se na fumaça que perambula entre tons de cinza e preto. Sou eu no último fragmento dos turnos da noite. Sim, o Quinto Noturno sou eu na escala que divide a vigilância entre os turnos do sono.

O Quinto Noturno é o estado desperto ainda sonho; o sonho impregnando a luta de um desperto em gestação.  Tudo reunido na costura efêmera da escultura fantasma dos olhos embaçados de uma madrugada.

O Quinto Noturno é sempre a constelação de adjetivos criados na última esquina que a alta noite dobra, antes do fio de luz solar abrir a fórceps a intimidade da madrugada. Expeça-se ao fenômeno de angústia, destempo e criação um nome. O Quinto Noturno será o que se revigora.

Não se aflija. As construções do Quinto Noturno são feitas sob o pêndulo dos encontros que surgem nas madrugadas, dias, noites, fragmentos, instantes, abraços, e todos ambientes onde prevalece a certeza da dúvida.

Sente! Aproveite o espaço sempre disponível no turno derradeiro da noite em contrações que cuspirão o arrebol. É sempre hora de esperar. Contemple. O horário do Quinto Noturno tem a companhia letárgica do começo, mas, ao final, a incerteza ambígua da aurora – que é camaleoa, ao que se levanta, ao que se deita, na sua chegada.

Só não traga consigo suas consistências. São o peso mais incômodo, porque não resistem à proximidade. Invadem, crescem, multiplicam-se no ritual cego dos convencimentos. O Quinto Noturno já mastigou excessivas madrugadas para acreditar no caldo ralo das convicções.

O Quinto Noturno divide o café requentado de sua madrugada com a velha bufa das noites adentro, que faz da persuasão grosseira apenas um manto para lhe cobrir o rosto carcomido e o sorriso cínico. E o Quinto Noturno já lhe estendeu a mão, em despedida, vezes de mais para acreditar.

Assim como lhe estende a mão agora. Você acredita?"

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