O circo partiu. Foi embora. Chegou antes do Natal. Quando eu fiquei vendo-o com a cara de um dos palhaços de Fellini, poético, nostálgico, saudosista. De imediato, fui atrás, intrépido, da trupe.
Fiz o que todo menino de minha idade, já velho, faria. Fui atrás do meu sonho, do que era o circo em meu sonho. Nem esperei o apresentador. A estrutura estava montada. Eu a preencheria com minhas fantasias, memórias. Meus palhaços invisíveis.
Infeliz constatação de um dia triste: o palhaço não cumpriu seu destino inevitável de fazer rir. Acanhado em vestes, mínimo na graça, insistia, com esforçado talento, na tentativa de encontrar o riso alheio. Falhou. O palhaço virou, ao fim, o estandarte da tristeza circense.
Mas a beleza miúda do palhaço não podia ser desculpada pelo passado glorioso da estirpe bufa de seus ancestrais. E o grotesco corpo de baile feminino, a entreter durante um número e outro? A quem interessar poderia? Elas compunham um império sem sentido, dançando coreografias de estética irresponsável, com roupas espremendo culotes assoberbados e trajes à beira de um atraso de um século.
Que saudade de leões e tigres, cuja voracidade poderia devorar minhas entranhas decepcionadas com a contrafação de circo. Ou mesmo dos urubus e hienas, que se refestelariam diante da carcaça do mágico Fellini, revirada de vergonha em seu caixão.
Logo Fellini...
E por que Fellini?
Sim, Fellini. Que ensinou a arte de perscrutar a áurea do mítico palhaço, ainda que diante dos gritos finais, de decadência, na arte circense. Foi dele que me lembrei ao comprar o ingresso e tentar esquecer o mundo balbuciante em redor.
Mas o circo foi embora bem antes da chegada daquele espetáculo. E dei razão ao cachorro que encontrei latindo, no local onde a lona e a trupe se uniam dias antes. O animal esquecido não latia para o dono, provável autor daquele abandono. Assim como eu, neste momento no qual escrevo, o cão latia para a saudade.
Um comentário:
Desculpe o que vou dizer. Mas é tudo que tenho por isso despejo aqui. De circo não sei nada. Nem de palhaços nem de bailarinas. Mágicos, ilusionistas e afins não me fizeram companhia na infância. Por isso não sei qual o gosto da saudade do circo. É que um dia a lona foi pro chão. Levou junto sonhos com tigres, leões, trapezistas, palhaços e tudo o mais. Foram sonhos, juras, saudades. Tudo queimou. E todos de olhos esbugalhados viram o terror do fogo que consumiu o circo levando 500 almas não sei pra onde. Foi nos idos dos 60, em Niterói-RJ, onde meu pai cortou pela raiz o mal de querer ver palhaço no circo. Circo em que o fogo pode cair, não vou - dizia. Não fui. De circo, nada sei.
Postar um comentário