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segunda-feira, 21 de maio de 2012

O ÚLTIMO VOO DE UMA ALMA, PELA TRANSBRASIL




Ao ver sua expressão de mulher de 40 anos, não sabia se a chamaria de "você", em reconhecimento ao seu rosto ainda juvenil. Ou apelaria ao "senhora" em respeito à dignidade comprometida de sua expressão sofrida da vida.


- Oi, pois não?


- Alguém me segue...


- A senhora sabe quem é? Sabe se teria motivo para isso?


- Sei. É o meu passado.


- Algo que a senhora fez?


- Não. É tudo o que fiz. Vivi de forma intensa. Muito intensa. Agora, minha imaginação esgotou-se. E não consigo mais agir de forma natural. Tudo é sempre a mesma repetição de algo que já fiz. E sempre que eu faço, igual, um senhor alto, belo mesmo, de uniforme da Transbrasil, surge para me levar à minha casa. E lá, enfrento a luta feroz pela minha vida, dar-lhe significado ao ser confrontada com a ideia de que viver é o duelo, dia e noite, para sorrir depois de fazer as mesmas coisas que gerações e gerações fizeram da mesma e repetida forma, apenas mudando de traje a cada representação.


- Um comissário de bordo da Transbrasil?!


- Não sei se o senhor a conheceu. É uma companhia aérea que desapareceu. Foi nela que viajei de avião pela primeira vez. Lá, fiz amor pela primeira vez, dentro do banheiro apertado de um avião, na época em que as pessoas levavam garfos e facas de metal que eram usados para comer.


- E o primeiro homem, suponho, é o mesmo que vai encher o saco da senhora...?


- Sim, ele é o meu passado. E reapareceu. Eu fui buscá-lo, na verdade. Dentro de uma cabine de um boeing da Transbrasil, envelhecido e empoeirado no pátio do aeroporto de Brasília.
De fato, algumas aeronaves da Transbrasil apodrecem, hoje, na pista do aeroporto, em Brasília, esperando sabe-se lá o quê...Uns poucos tipos esquisitos visitam o local como se fosse um museu, onde os artefatos de visitação são suas almas comprometidas em visitar um canto de passado feliz.


- Fui lá, entrei, consegui invadir um dos aviões, sorrateira e chamei pela alma daquele que me fez rir da vida, dentro de uma cabine de avião, a não sei quantos mil metros de altura. Foi lá que eu decidi a jura de nunca, nunca, me permitir fazer nada comum, ser o comum das pessoas, sob juramento de, não sendo assim, poder ser castigada pela vida como ela quisesse... agora, quero me livrar da minha jura, do meu passado. Quero vida nova, viver de novo, viver do novo! Me ajuda?


É, outro ajuste de contas no meu balcão. Mas, de repente, silêncio. Um gesto lento de cabeça inclinando-se, até uma postura cabisbaixa. E mais silêncio.
Eu conhecia aquela mulher. Em um plantão ela havia abordado um colega meu. Depois, voltou dizendo-se apaixonada pela acolhida dele. Passou a segui-lo pela rua. Não como um fantasma. Mas sim um ostensivo tormento. Quase o enlouqueceu. A diferença entre as pessoas erradas e os fantasmas e as pessoas é que os fantasmas aparecem depois da loucura. As pessoas erradas, antes.


Quando percebi, ela estava me olhando com afeto. E carregada dessa expressão, saiu. De braços dados com o senhor de uniforme de comissário da Transbrasil.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

CURVA NO POÇO


Um senhor, de postura muito digna, sentou-se na mesma mesa que ocupei hoje durante o almoço. Não! Ele não tinha apenas uma postura digna. Era mais. Sim, um senhor bonito. Maduro.

Antes de repousar sua bandeija diante da minha - era o único lugar possível de ser ocupado -, pareceu-me desorientado.

- Com licença.

- Fique à vontade.

Tenho o péssimo hábito de comer calado. Duas, três garfadas. Virei meus olhos para o olhar desinteressado daquele homem.

- Está tudo bem. A comida é barata, mas honesta. Devia experimentar.

Ele sorriu ao comentário. E desfez rapidamente o sorriso, congelando a expressão. Dois minutos depois, perguntou-me:

- Viu?
- O quê?
- As rugas...
- Vi, sim, claro. O senhor sorriu...não devia se preocupar. As rugas são as brechas onde escondemos nosso passado.

- Eu perdi meu passado nas minhas rugas.
-  ...

Não passamos às amenidades. A frase do homem apenas encerrou de momento o diálogo. Que foi retomado depois que ele, em definitivo, desistiu do prato. Indagou sobre um lugar qualquer. Eu não soube dar a resposta.

- Vamos na delegacia. O pessoal lá conhece tudo. Se tem alguém que pode informá-lo, ele está lá.

Como intuí, ninguém ouviu falar do endereço, que parecia uma junção de diversos outros endereços. Uma sopa de letras, tendo como mistura as letras que compõem os endereços de Brasília.

- Você está bem? Não comeu, parece alheio...
- Estou, apenas perdi outra referência.
- E quando perdeu as outras?
- Quando eu vi a primeira das minhas rugas no espelho.

Jovair era o nome. A idade não revelou. Sei que era dessas figuras que encontramos um dia, mas que nunca pareceu pertencer a algum lugar. Era um andarilho na essência e no aspecto. Quais rotas? Nunca soube.

- Vivi a vida das inconstâncias até ter a pele talhada pela primeira marca de tempo. Era feliz. Minha referência eram meus frutos maduros. Meus corações cansados.
- Mulheres mais velhas?
- Sim. Eram meu abrigo, meu ventre e minha potência. Um corte acabou com tudo isso. Quando vi uma ruga, vi todas as outras que habitavam, habitam e habitarão meu rosto.  E, de menino, passei ao parceiro que não consegue arrefecer os ânimos para dividir o leito.
- É o comum de nós todos, a vida.
- Eu perdi o jogo dos espelhos, cidadão. Deitei com o tempo. E a maior peça que ele nos prega é a da inocência sobre sua força. Eu sorria o tempo todo, montado no tempo. E é o sorriso, inocente, de achar que o domamos que nos distrai. E dá a chance ao tempo de tatuar no rosto distraído e sorridente a sua assinatura.

Nunca mais vi Jovair. Qualquer que seja seu destino errático, chegou onde pretendia, quero acreditar.

terça-feira, 8 de maio de 2012

PULMÃO ILEGÍTIMO




A escrita insiste. Mas, ao injetar tinta no papel que recebe minha sina de escrever, sinto-me lisonjeado pelo convite de um remanso. É onde as minhas forças criativas se deterioram em um bater de braços infrutífero. Não consigo o impulso que me desvencilharia da força de uma água maculada.


Ainda, sim, eis que voo, de repente, porque o remanso - apelido do turbilhão de águas - vai se depurando, pouco a pouco, em um pulmão que não se contenta e viver apenas a natureza de um órgão aéreo. Minha vingança ao turbilhão é adorá-lo!


E aqui está você, companheiro leitor, unido a mim em um vicejante abraço épico. Convencido. Emocionado, quando possível. Um fiel amigo a ler este roteiro que enceno e penso acreditar. Porque é a sua louca fantasia que me convence do que proponho a você. E sua mão a me conduzir pelo fio do labirinto que criei.


Liberta-te ou devoro-te!

sexta-feira, 27 de abril de 2012

SE UM QUALQUER ME OUVISSE...


Estive em coma. A ausência dos homens. Volto aos poucos ao meu estado de ronda. A solidão de caligrafias virtuais despejadas em rotinas de burocracia.


Entra a primeira das muitas missões perdidas. Uma senhora de convicções amarrotadas. Cumpriu o ciclo da peregrinações às repartições da eterna insatisfação. Veio ao ápice da liturtgia e sorveu a hóstia amarga do desrespeito. Eu sai da porta com aquela senhora de andar sem adjetivos. Corpo presente. Vida diluída. A civilização que se resume às reticências...


Fiz um intervalo. E nele permaneci. Saí na primeira primeira porta que ofereceu sua virtude de abrigo. Tempos cansados. Tempos que forçam minha pernas a se recolher. Que gesto poderia fazer do meu corpo um ventre? 


Um plantão pode ser o desmoronar de um homem. Mas o coletivo de plantões tomba um homem convicto. De volta! Bem chegado no que a minha rotina de ignorar pode oferecer. Estou me recuperando. Enfim, retorno ao coma.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

DOIS BRAÇOS. UM RIO

Sua mão segura a minha. Seguro. Retorno. Seguro. Seu corpo, entretanto, é claque. Inverossímel desejo em seu sorriso. Devastado com suavidade. Sou horas que correm truncadas. Desvio de um tempo dorido que não flui a um justo progresso. Deixei-me corromper na vazante de seus braços estendidos. 



terça-feira, 10 de abril de 2012

CANÇÃO PARA UMA HARPIA


Harpia, insone. Rouba meu sentimento, ainda que me assegure a comida. Se há sentido que possa descobrir, eu mimetizo todo o significado, a fim de ser sua perseguição infindável.


Basta-me o açoite de um carrasco inseguro!

quarta-feira, 14 de março de 2012

DOS QUATRO AOS QUARENTA


Aos quatros anos, meu herói revelava sua identidade sempre que via o sorriso do meu pai. Aos quarenta, minha heroína tem quatro anos. E ainda se revela sempre que sorri.