Um senhor, de postura muito digna, sentou-se na mesma mesa
que ocupei hoje durante o almoço. Não! Ele não tinha apenas uma postura digna.
Era mais. Sim, um senhor bonito. Maduro.
Antes de repousar sua bandeija diante da minha - era o único
lugar possível de ser ocupado -, pareceu-me desorientado.
- Com licença.
- Fique à vontade.
Tenho o péssimo hábito de comer calado. Duas, três garfadas.
Virei meus olhos para o olhar desinteressado daquele homem.
- Está tudo bem. A comida é barata, mas honesta. Devia
experimentar.
Ele sorriu ao comentário. E desfez rapidamente o sorriso,
congelando a expressão. Dois minutos depois, perguntou-me:
- Viu?
- O quê?
- As rugas...
- Vi, sim, claro. O senhor sorriu...não devia se preocupar.
As rugas são as brechas onde escondemos nosso passado.
- Eu perdi meu passado nas minhas rugas.
- ...
Não passamos às amenidades. A frase do homem apenas encerrou
de momento o diálogo. Que foi retomado depois que ele, em definitivo, desistiu
do prato. Indagou sobre um lugar qualquer. Eu não soube dar a resposta.
- Vamos na delegacia. O pessoal lá conhece tudo. Se tem
alguém que pode informá-lo, ele está lá.
Como intuí, ninguém ouviu falar do endereço, que parecia
uma junção de diversos outros endereços. Uma sopa de letras, tendo como mistura
as letras que compõem os endereços de Brasília.
- Você está bem? Não comeu, parece alheio...
- Estou, apenas perdi outra referência.
- E quando perdeu as outras?
- Quando eu vi a primeira das minhas rugas no espelho.
Jovair era o nome. A idade não revelou. Sei que era dessas
figuras que encontramos um dia, mas que nunca pareceu pertencer a algum lugar.
Era um andarilho na essência e no aspecto. Quais rotas? Nunca soube.
- Vivi a vida das inconstâncias até ter a pele talhada pela
primeira marca de tempo. Era feliz. Minha referência eram meus frutos maduros.
Meus corações cansados.
- Mulheres mais velhas?
- Sim. Eram meu abrigo, meu ventre e minha potência. Um corte
acabou com tudo isso. Quando vi uma ruga, vi todas as outras que habitavam, habitam e habitarão meu rosto. E, de menino, passei ao
parceiro que não consegue arrefecer os ânimos para dividir o leito.
- É o comum de nós todos, a vida.
- Eu perdi o jogo dos espelhos, cidadão. Deitei com o tempo. E a
maior peça que ele nos prega é a da inocência sobre sua força. Eu sorria o tempo todo, montado no tempo. E é o sorriso, inocente, de
achar que o domamos que nos distrai. E dá a chance ao tempo de tatuar no rosto
distraído e sorridente a sua assinatura.
Nunca mais vi Jovair. Qualquer que seja seu destino errático,
chegou onde pretendia, quero acreditar.
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