Ver Josias sempre foi como sintetizar todos os laços fraternos que a batalha diária de um policial é capaz de forjar. Amigo, camarada, irmão, “canaprácaralho!!” E daí? A expressão amuada de um policial do outro lado do balcão é a mesma de todos os peregrinos cuja jornada deságua no mar revolto do meu atendimento.
Portanto, uma cara amuada denunciava desta vez, o lado incomum do balcão que Josias freqüentava naquele instante. Não era meu cliente. Eu era parte do bando de colegas constrangidos no atendimento que um de nós fazia a um colega de batalhas. E que reações estranhas eu presenciei.
- É cana véi, sentar aqui, deste lado do balcão, é chaga. Que passa de pai para filho, irmão prá irmão.
A sentença fora proferida por um juiz singular na sua credibilidade, forjada em campanas, tiroteios, plantões, e toda a atividade insalubre que cria o sentimento ímpar – para o bem e o mal – de fazer parte da polícia. Josias era seu autor.
- A gente vira referência deste lado do balcão. Se o filho da gente entrar na polícia, vão dizer que era filho do cana problemática que passou por este lado da bancada; se for irmão, a mesma coisa.
A afirmativa dirigia-se a mim, que chegava, sem saber do ocorrido, e a todos os outros, colegas de expedientes e plantões que haviam maculado a imagem Josias pelo fato dele de estar sentado no local, como ele, maculado. Dei-me conta de como tantos que haviam feito de Josias confidente e, sem exagero, quase um deus, negavam-lhe a cumplicidade de um olhar. Pior: o colega afirmava taxativamente ser ele a vítima no balcão e não o autor de um fato que ele próprio fora comunicar. Por alguma razão, o herói tombou em sua versão. Virou o autor e por isso passaria a responder. O máximo que estava conseguindo era a mão estendida da autoridade policial a lhe dizer: “Vem, Josias, vocês são todos culpados. Eu lhe recebo assim mesmo. Não precisa insistir na sua inocência. Não desconfio de você, mas sabemos como as coisas funcionam”.
Inocente? Aprendi já há tempos que inocência depende da velocidade com que a alegamos nossos fatos. Quase nunca se é inocente se a sua versão vier contrapor uma primeira história. Mas, no caso de Josias, era já era maculado. A desavença matrimonial quase sempre faz do policial o autor. E Josias estava ali em razão de uma briga de casal.
E a indignação de Josias vinha da postura dos demais policiais. Ele não queria ser “aliviado” pelos colegas. Queria Justiça. Mas a Justiça, cana véi, se senta bem longe daí. Do lado de cá do balcão, senta o fardo de se escrever a verdade. Do seu lado, senta sempre um culpado. Deus nunca senta do outro lado do balcão, lembre-se, cana véi. Volte outra hora, amigo, porque o herói só é herói porque volta outra hora: na hora certa.
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