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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

RAÍZES DA TERRA

Sangue quente, coração frio. Primeira das lições que aprendi dentro da polícia. O que me levou a fazer letra morte de pensamentos ocorridos em 6 de fevereiro. Silêncio até agora do ocorrido naquela noite.

Madrugada de luta. Vítor “Fenômeno” Belfort e Anderson “Aranha” Silva. Minha estréia nas lutas em canais pagos de televisão. Palco propício para a prática do Mixed Martial Arts (MMA): Estados Unidos. Titãs brasileiros na batalha do século. A colossal “América” patrocinando. E eu no esforço para ver com olhos técnicos o embate. O sangue frio nas veias seguindo o impassível  script do profissionalismo do Tio Sam.

Aos três minutos e pouco do primeiro round, o “Aranha” me acertou. Sim, com um chute frontal no queixo, deixando minhas pernas moles. Completou o massacre me socando no chão. Enquanto o torpor veio como efeito da artilharia de combate do oponente, estranhos pensamentos me acometiam.

Eu vibrava com a vitória. O descanso idílico no templo da vitória. O colosso agora era tupiniquim. A vitória cantada na língua de Camões... Que Camões o quê?! Na língua de Jorge Amado, Machado de Assis. O verde e o amarelo exortados com as cores do triunfo e do imperialismo das aves que só aqui gorjeiam hinos marciais.

Que capacidade de me atordoar teve o potente chute de Anderson “Aranha”. Um nocaute que fez supurar e sagrar pelo meu corpo todo ufanismo de minha nação-potência-emergente.

Fui me recuperando, contudo, do chute. Assim como meu queixo, a alma arrancada voltara do exílio. Tomou assento no Brasil que me pariu. A luta acabara. Vitor Belfort estava no chão. Anderson Silva, depois da euforia da vitória, consolava-o. Era possível ler-lhe os lábios dizendo: “eu gosto de você pra caralho”.

Na cara compungida de Belfort, um conflito tão agressivo quanto o que passara instantes antes: aceitar o conforto do compatriota oponente ou guardar-se na dignidade de um “hoje, venceu você. Amanhã, quem sabe...?”.

Olhei ao redor do circo imaginário que criei à minha volta. Eu também era o gladiador aflito, socado, nocauteado e ofertando o sangue inglório do vencido a uma platéia perversa de espectadores: políticos, empreiteiros, o corrupto nosso de cada dia, que é aquele seu vizinho sorridente, boa praça.

É. Eu não sou o Brasil dos nocautes. Sim, dos nocauteados. Minha vocação de potência não está no urânio. Está no lixo reciclado. Que me vende para o mundo, mas me consome a vida. Sou um Brasil menor, sobrevivendo à sombra de uma alma brasileira muito pouco beligerante. Perdoe-me, meu nobre catador de sobras, pelos instantes de deslumbrado ufanismo. O sangue esfriou. O coração agora é frio. Como a pele curtida no frio das madrugadas e abrigada em papelões-cobertores – por aqueles meninos-objetos buscando crack.

Perdoe-me Spider, mas ainda não há muito mais a entregar aos nossos vencedores que a machadiana batata.

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