Código html Google estatísticas

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

TRISTEZA EM DEGRADÊ


Semírames chegou com sangues nas mãos e algemas no punho. Assim fui apresentado àquela senhora, de pouco mais do que vinte anos, apesar de aparentar qualquer coisa além dos 50. A saliva densa, branca, cobria os lábios. O choro à exaustão deixou-a a beira de desidratar.

Além das mãos, a canela estava envolta em uma camada de sangue e barro. O barro vermelho do cerrado. Levou, de repente, as mãos ao rosto. Não como os infindáveis maltrapilhos que eu me acostumara a ver. Ela escondia o rosto da vida. Pela primeira vez, achei que a cela tinha chance de dar alento a alguém mais dos que àquelas pessoas que vêem no confinamento de presos alívio à sensação fugaz de segurança. Semírames encolheu-se no choro irrefreável no fundo do corró, apelido que as celas têm nas delegacias.

Não cheguei a conhecer a voz de Semírames. Nada além de um gemido gutural saiu da garganta, urros colossais que despertaram a revolta em outras presas. Sim, havia mais duas carroceiras presas por não terem pagado pensão alimentícia. Justiça consumada.

Bem e mal precisam de dignidade para coexistir. Samírames era apenas dor. Sua dignidade era o um rio perto da estiagem. Duas agentes levaram a presa ao banheiro. Deviam revistá-la. Era Semírames recebendo a atenção do Estado. Que veio na forma de dois dedos descuidados lhe vasculhando as intimidades. O que fez o urro incessante afinar-se, assumindo ares de gemidos, estertores de uma fera alvejada de morte.

E Semírames morreu.

Nem de morte matada, nem de morte morrida. Apenas virou as costas à vida. Deixou que o corpo vagasse quando e onde quisesse. Se a vida lhe tirava de vez tudo, ela queria ser parede, virou-se em definitivo para dentro da cela, querendo mimetizar-se ao concreto.
Se Semírames nunca mais saiu da cela.

Virou reboco, concreto, que eu via em cada liberdade rompida que eu consumi, ao fazer justiça encarcerando; carcereiro de decisões que tinham o peso insuportável de minha consciência.  A cela ficou com uma cor qualquer cujo tom é Semírames.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

SÓ INTEIRO

Esqueci o perdão em cada esquina. A memória é rito de passagem ao perdoar, ressentir, superar. Que só existe quando memória e tempo se perdem diante do nada, esse acontecimento eventual que se diz a vida!

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

ENQUANTO NÃO CHEGA O ÔNIBUS

Vida, exercício singular, justo. Sempre: ferida ou cicatriz. Viver é contragosto coletivo, não cheira à essência idealista da harmonia.


sábado, 13 de agosto de 2011

SOCO DE VELUDO

A barbicha era a de sempre. Maltrapilha, rala, irregular. Não fosse a sobreposição anárquica de pelos brancos, nada lhe denunciaria a passagem do tempo. Apoiado no nariz adunco, um óculos redondo no melhor estilo trotskista. Poucos flagelos dos anos, suficientes, porém, para encorajarem meu teatro dissimulado, que me desobrigou de admitir que o tivesse reconhecido.
A cabeça baixa, olhos fixos em um destes jornais vagabundos usados para lavar dinheiro da politicalha inescrupulosa, e um passeio pela memória.  A busca por momentos de convívio com o ex-colega de trabalho que seguia, sem me reconhecer, em minha direção.
Um passado que trazia a lembrança de uma figura reticente. Eu sempre a lhe censurar, no íntimo, o acanhamento de ousadias, a palavra insegura. Se bem me lembrava, eu tinha convicção inabalável de que eram as minhas iniciativas as bafejadas pela sua escolha, as que ele queria barrar, sempre que eu ousava tentar algo. O que fazíamos? Investigávamos crimes contra a administração pública.
Eu queria mudar o mundo. O que significava prender metade de todos os que eu achava que roubavam. E eram muitos. Muitos...
Ele foi sempre a última versão dos relatórios que escrevíamos. E meu sonho de um mundo mais justo sempre era adiado por suposições temerárias e afirmações sem risco, nada categóricas, com as quais ele preenchias as folhas. Assim, eu pelejei dias e dias contra a cruz da inércia do meu parceiro.
Sempre tive a teoria de que crescem na carreira os que vão ficando ano a ano nos mesmos lugares, graças à submissão. Se a coragem lhes falta, sobra nos que não se intimidam diante do desgosto provocado por decisões equivocadas ou escusas. E sempre que eu refletia sobre esse tema, era aquele “Zé” que me vinha à cabeça segurando uma bandeira, com brasão da “Escuderia dos Omissos”.
Para meu espanto, ele ficou conhecido como Zé do Siso, porque era à sua consciência que os chefes acorriam na busca de orientações sobre como atuar de forma prudente em operações policiais. Entrava em sua sala, ouviam suas frases cheias de reticências e saiam arrotando exclamações. E o que era medo virou cautela; quem era covarde virou lenda. De longe, eu acompanhava a mística que se desenvolvia em torno do ex-colega. Que chegou ao status de intocável lenda...ou quase isso, entre colegas e chefes.
O tempo me martelou o juízo de forma eficiente o bastante para entender que covardia anda próxima à precaução, mas nem sempre se dão os braços.
E que somos sensíveis. Todos nós. Desde que nos falem o que nossos ouvidos vaidosos acolham como elogio.
- Cara, você aqui?! Virou plantonista. Dia desses, falei com o um colega que queria saber onde você estava.
- ...
- Mermão, gosto de você. Devia ter feito como você, que ganhou o mundo. Mas fui ficando, ficando. Quero é me aposentar. Bicho, virou uma merda. Ninguém mais trabalha com coragem. Você é um cara honesto. Gosto de você. Bom te ver!
Registrou a admiração. A ocorrência? Nem eu sei. Foi embora: decidido. E eu, bem, sabe como é, ainda não sei ao certo...

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

PSIU!

As flechas que miro em teu silêncio são carpideiras órfãs de um agosto e seu féu.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

PENSAMENTO FROUXO


Teus mamilos de aço, flagelo de sentimentos. Duas torres de afronta, ficadas em vasto mar de medo e arrependimentos. Enfrenta todos os mares só até que a maré realmente decida encontrá-la. Teu dourado é reflexo do sol. Somos chãos, tu és solo, também. Ainda que subas à altura da montanha, será caminho. Somos todos caminhos. Estendas a mão e nos tornaremos, no máximo, estrada maior.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

TEMPLO A VIOLAR




  1. O forro de meu desejo é o veludo, raro, em seu corpo. Costuro vagos itens de memória. Tranço em você pernas trêmulas de vontade. Construo o dia que sua retina estalará, ampla, sob domínio de um prazer de nirvana.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

SOLILÓQUIO

Mundo, mundo, vasto mundo, se eu me chamasse idiota, abriria muitas portas???!