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sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

QUANDO O AMOR TARDA, É COCEIRA


O título acima soa de gosto duvidoso. Proposital, garanto. E nada mais, reforço a garantia. O amor rivaliza com todo e qualquer tipo de garantia. Mas, sobre o título, ele vem da narrativa das seguidas tristezas de dona Minervina. Hoje, uma senhora, das frequentes em sermões em templos acanhados e discursos febris. Mas que guardou enquanto pôde um segredo que lhe carcomia as entranhas todas as manhãs.

Dona Minervina sempre se dispôs a dar amores a Belarmino. Desde o dia que se conheceram em Murais do Beco, cidade interiorana, mas de avassaladora vida boêmia.

Em já distante dia de mormaço, estava cedo dona Minervina de prontidão na janela, a fugir do segredo que lhe amargurava. Foi quando viu descendo, faceiro, o Belarmino, de retorno do baile tradicional das segundas-feiras de Murais do Beco. Zélia Olivinha, que sempre se comprazia em testemunhar o despertar de testa suada da dona Minervina, que precisava do ar fresco da manhã para acalmar ânimos, jamais pensou que daria em casamento aquela cena safada de entrega da vizinha de frente ao transeunte quase desconhecido de retorno do baile. E deu. Com véu, grinalda, e um respeito duradouro entre Belarmino e dona Minervina. Que tantos anos depois, na condição de vendedora de iguarias comercializadas dentro da delegacia, surgiu no fim do meu turno.

- Vim dá seu troco.

- Ô dona Minervina, bobagem. Fica para a senhora. Não tinha a menor necessidade de vir aqui, ainda mais tão tarde da noite, de madrugada.

- Olha bem, fiii. É tarde não. É cedo. Bem cedo.

E não é que o arrebol estava se engraçado mesmo com as nuvens que se arrastavam pelo céu desde o fim da noite?!

- Cedo, fiii. E essa véia aqui sabe o que o calor que se chega junto do sol.

- Ah, mas o sol de manhã é fraquinho...

- Num é calor do sol, é calor da vida. A véia foi praguejada a sofrer de calor toda manhã.

- Ué...

- Pois é, fiii...Enquanto tem ente cabando de sonhar, to eu, desde sempre, com as canela estirada, e um coração que bate feito coice de mula. Os oios tudo esbugaiado. Eita coceira, fio. Ninguém num vê não. Só o Belarmino me pegou assim, de jeito, disprivinida, e deu na doideira que deu. Quem mandou aquele besta me cruzá caminho longo di manhazinha?! Eu é que peguei o safado de jeito. Hehihi...Depois, casamo. Por querência dele e de meu pai. Eu já sabia que tava condenando o pobre diabo. Mas num tive coragi de arrostar os dois.

- Casamento pode ser bom...

- Não se a muié é carcomida pela minha praga e o danado do marido tem sono atrasado.

- E ele tem?

- É duas ou três da manhã quando o estrupício dormi, fii. É sono de homi do mundo. Quando os calores do sol atacam a véia aqui, Belarmino é defunto.

- ...

- Nóis nem tem, fii. Junto...E eu inté que queria que ele fosse para a bagunça fazer um. Num vai, me jura respeito e que num vai caçar cunversa na rua. E de manha, quando eu tento caçar cunversa dentro de casa, o difunto é mais difunto que nunca.

- Que coisa...

- No cumeço ardia, depois duía. Cum tempo, virei gente. Com dor de gente, vida de gente. Deixo a vida correr todinha. Cedinha, cedinha e sei que dispois vai imbora.

- Mas, dona Belarmina, não existe outro jeito?

- Jeito, jeito tem. Correr mundo inda cedinho e deixa nas pegada da vida o calor que era de Belarmino.

- Pelo menos, vocês se guardam um para o outro. A senhora sabe que ele lhe tem amor.

- Amor que tarda, fii, num é amor. É coceira, di certo.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

TEU HÁLITO




Queria chamar de orvalho eu de mim em sua boca. Só uma imagem vazia preenche o seu nome esquecido. Minha ode vasta virou imagem. Isso, isso e isso...

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

A AMBIGUIDADE DO PUNHAL


Hoje, quando apertei os olhos em reflexo ao sentimento doído, escorri a lágrima do entendimento. Da incompreensão contumaz que deflagrou tantos de nossos atritos, veio iluminada a imagem de que um punhal nos mantinha tal e qual o cordão umbilical o faz entre ventre e filho.

Agora, sim, é como ter um paradigma definitivo para tantos de nossos desinteresses, ou a razão para a superlativa valorização de pequenas desimportâncias. Gritos abafados, rancores em comentários ácidos ganham a minha maior simpatia. Um punhal os redimiu. O sorriso tem o brilho de uma lâmina.

Mas o meu maior orgulho é saber que todos os anos passados houve vitória sobre vitória. Porque à dores lancinantes sobrevivi. Não quando o punhal que segura, firme, pelo cabo, escorregava em minhas entranhas. Nem quando, unidos mais que nunca, você, firme, segurou o punhal e, em sacrifício, dispunha do aconchego do meu corpo. Não, mas era assim que eu pensei dia após dia. Mas sobrevivi, vejo agora, a cada dor que se seguia aos seus egoísmos de me exilar da lâmina fria do punhal que nos torna um só.