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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

PARADO! QUIXOTE!!!

Se a tentativa é boa, mas o resultado ruim, o que há de se dizer da obra? É o resultado ruim de uma boa tentativa ou uma boa tentativa com resultado péssimo? Dúvida que me assolou a ver o filme “Federal”, com Selton Mello. História de um agente de polícia federal que migra sua vida para os quadros da PF. Não, não espere de mim uma resenha. Apesar de encontrar qualidade na tentativa do cineasta que realizou o filme por ter se dado ao trabalho de entender o conflito da imersão de um cidadão “comum” nas fileiras da repressão oficial.


Não existe possibilidade de realismo ao se lidar com o real que se despiu de toda a fantasia. O real, nu, cru. E a vida de um policial é assim. Tão mais se tenta reproduzi-la, mais longe se está do que seja o conflito de quem combate, na ausência de fantasias, a madrugada incessante do crime.
Quer saber? A beleza de uma obra está no que ela não diz. Certa vez, vi uma análise do filme “Tubarão”, de Steven Spielberg. Trata-se de uma aula de cinema, porque o suspense se faz mais no clima do que pode acontecer do que por aquilo que efetivamente ocorre.

Pois saibam: a fantasia se faz no piscar de olhos. O momento em que o mundo fictício estabelece interlocução com a morada idílica, onde repousam musas, inspirações e antevisões, tecelões de nossos sonhos e, de quando em quando, a presa de uma pena artística qualificada.

Justifico minha tese, com cara de madrugada em plantão de delegacia, com o filme que acabo de assistir porque deixaram em cima deste meu balcão: “O Homem da Mancha”, de Arthur Hiller, com Peter O´Toole e Sophia Loren.

Nunca achei que a grandeza do “engenhoso fidalgo” pudesse ser dissecada por imagens e diálogos do cinema. E, para a minha surpresa, creio que o cineasta também. E , por isso, o filme é apenas um jogo entre a obra e a imaginação. Ele usa o mágico piscar de olhos diante da fantasia e nos convence a fazer uso dela. É obra-prima e ponto! Ao contrário de “Federal”, que é um fragmento narrativo coerente, mas nunca uma obra – porque não está em todos nós, como o está o Quixote, vejamos monstros, vejamos apenas moinhos de vento.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A FÚRIA DO SOM


Charles Parkinson. A sabedoria de rua é capaz de prodígios como um apelido assim. Um homem esquizofrênico, cujas vozes retumbantes em sua mente ditavam fraseados musicais, não palavras. Sons que eram apresentados aos transeuntes da rodoviária central de Brasília pelo sujeito, de aparência mulamba, graças a um pente e um pedaço de plástico. Da junção dos dois materiais, ele fazia o necessário para emitir os sons agudos, que, de longe, as vidas apressadas reconheciam e já tinham como parte da rotina, da sempre procuraram se esquivar.

O nome completo, real?

- Não tenho a menor idéia. Sei apenas que se chama assim, Charles Parkinson. Na verdade, os outros o chamam. Pelo que sei, nunca ouviram sua voz. Apenas os agudos que consideram insuportáveis.

- Assim fica complicado, mas eu registro.

Raro em uma delegacia, a figura de um maestro - ainda mais em busca de um mendigo. Mereceu um tanto a mais de meu esforço.

- Mas o que o senhor está fazendo atrás desse sujeito? Pelo que soube, tem jeito não! Já tentaram tirá-lo da rua. Uma senhora chegou a levá-lo a um abrigo, mas ele é viciado. Ela foi a única com quem conversou. Diz que ouviu dele que só drogado perde o medo das vozes. Quando perguntou pelas vozes, ele ouviu dele um som esquisito, tocado com o pente.

- Aquele som esquisito, não tem nada de esquisito...

- Com todo o respeito, maestro...

Na minha frente, a regente da Sinfônica da cidade deu a dimensão de suas angústias ao tentar explicar o que encontrou de tão significativo no que a maioria de nós considerava apenas um toxicômano trôpego.

- Olha, um músico americano foi me visitar. No caminho, disse que viu um sujeito, sujo, maltrapilho mesmo, tremendo os braços, com certeza sofrendo do mal de Parkinson, e que segurava o tal pente com um plástico. Eu já tinha ouvido sobre o sujeito. Como folclore urbano, um chato. Mas nunca do ponto de vista que ele, meu amigo, me apresentou.

- ...

- O músico ficou fascinado com o que ouviu...eram construções musicais riquíssimas, complexas, que o ouvido mediano não é capaz de entender. É brilhante. Eu preciso achar esse rapaz.

Naquele instante, minhas mãos dedilharam o teclado e preenchi a ocorrência de desaparecimento de pessoas. Mas não me desliguei das explicações. Charles Parkinson era abençoado por um dom e, provavelmente, era devastado pela própria dádiva.

- Esse sujeito pega canções que estão por aí e faz improvisos muito velozes com a linha melódica.

De repente, o maestro empunhou um instrumento para que ouvíssemos a gravação, mas, em ritmo desacelerado. O que revelou uma precisão de notas e um talento raro.

- Ele propõe frases muito avançadas e extremamente sofisticadas, lógicas.

- E tem um bocado de gente que vem aqui dizer que ele toca tudo errado.

- Ele toca certo demais. Não podemos perder isso.

Não poderíamos. E perdemos.

No plantão seguinte, soube que o corpo de Charles fora encontrado. Uma dose a mais do veneno do crack.

Um viciado que costuma conseguir as pedras da droga onde Charles as comprava também disse que o viu ser surrado, enquanto tocava uma música muito esquisita. Não quis dizer se foi polícia, traficante, transeunte. Só disse que lhe arrancaram o pente e rasgaram o plástico, o que o deixou em tal crise de abstinência, como jamais havia presenciado entre os drogados dali.

- Depois, ele encostou numa árvore. Começou a repetir “a música parou”, “a música parou”. Ele tava com umas pedras. Usou e riu. Riu e disse sem parar, feliz, mais um tanto de vezes... “a música parou, a música parou”. Morreu tremendo, mas feliz. Tinha até uma voz bonita...nunca tinha escutado. Ele devia ter falado mais é tocado menos.

A Charlie Parker, in memorian