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domingo, 24 de abril de 2011

O SILÊNCIO DOS ELOQUENTES



Albert Eichmann.  Nasceu em 1906 e terminou seus dias em 1962. Pendurado em uma corda. Punição! A lei do retorno em seu desfavor. Grosso modo, um homem de logística. Cuja tarefa consistia em dar vazão ao “aglomerado” de homens e mulheres de origem judaica que eram encaminhados às suas mãos pelo Estado alemão – em guerra contra a vida, dos outros.

Soube de Eichmann por uma filósofa: Hannah Arendt, judia de origem alemã. Ao cobrir o julgamento do nazista - ela foi enviada a Israel pela revista New Yorker - acusado por vários crimes de guerra, ela captou na essência daquele homem, e, para definir a ele e a todo o contexto no qual ele se inseria durante anos de carnificina, cunhou a expressão – banalidade do mal. Muitas a usaram, plagiaram, descontextualizaram. É um termo que exprime a quase alienação do carniceiro em relação ao mal que causou, valendo-se para isso de suas deturpadas noções de lei, Estado, burocracia, sociedade. Há outras peculiaridades no caso, ainda. Como o palco que o Estado de Israel montou, em âmbito mundial, uma das grandes medidas de propaganda política do pós-Guerra e de consolidação daquele Estado. Foda-se e a militância pró ou contra o sionismo – de onde quer que se erga – e vamos aos fatos, meus fatos.

Até aqui, só reminiscências. Mas Eichmann doeu. Machucou. A minha madrugada insone me conduziu a um sítio, o do pomposo e prestigiado periódico francês “Le Mond”. Que merda a madrugada faz com a gente.

Descobri que o julgamento de Eichmann tornou-se disponível pela internet. E voltei minha alma para as palavras de Hannah Arendt. As imagens do julgamento são simples, e por isso devastadoras. Porque atuais, passadas e, então, presente.

Ao descrever Eichmann, Hannah o faz dentro de seu conceito de “banalização do mal”, concluindo que o sujeito é de uma fina estirpe que agiu dentro das regras do sistema a que pertencia sem critérios sobre seus atos. Bastava-lhe cumprir ordens, desde que viessem de insanas “instâncias superiores” – uma alienação da responsabilidade. Para aquele tenente-coronel da SS nazista, lei era lei, perversa ou não, e foda-se o resto! Até que ele se fudeu!

Eichmann, o condenado à forca. O tenente-coronel com cara de vizinho chato, que se sentiu deprimido porque não tinha nenhum grupo a seguir quando do fim da guerra – até então, era fiel sócio da SS nazista. Eichmann, que apenas seguiu as regras e ordens. Uma regra escrita, ainda que perversa.

E nós? Existem Eichmanns do lado de baixo do Equador?

Como, se o que temos são regras democráticas do mais sacro pluralismo...?!

Pois a perversão, entre nós, está na regra não escrita. No implícito comando do “faça errado porque todos fazem assim, não adianta, não vai mudar nunca”.

E é essa a regra que prevalece, a da lei da vantagem. E todos nós a seguimos e, assim, vamos enchendo nossos comboios de almas, com as nossas caras e mãos lavadas, seguindo as regras. E em silêncio. Eichmann já não é vizinho: está dentro de casa, dentro de cada um de nossos silêncios eloquentes.

sábado, 16 de abril de 2011

A ALIANÇA E A VIZINHA

Seja gentil, por favor. E, sempre, ao se dirigir ao balcão de uma delegacia,vá sozinha (o). Não, sua vizinha (o), amigo (a) e qualquer outra companhia não lhe darão o apoio que espera. Eles querem fazer de sua vida tudo aquilo que Nero fez a Roma.

Fique atento aos conselhos de seu vizinho, para não segui-los. Assim, evitará uma segunda visita à delegacia. Como foi o caso de dona Joaninha. Ex-esposa de uma união matrimonial cujos laços perduraram por mais de 30 anos, daqueles casamentos que iriam durar, mas durou até que uma vizinha os separou. Ao menos em parte.

Dona Joaninha apareceu, acanhada, no horário em que, juntos, plantão e expediente atendiam as mazelas de nossos clientes. Ainda de dia, foi fácil lhe notar o jeito constrangido. Assim como o despachado compartamento da que lhe acompanhava.

- Tem, sim, amiga. Tem que registrar. Não deixa ele escapar assim. Fez, tem que pagar. Confia, amiga, ele tem que pagar. Eu sei que tem.

O que a sapiência da vizinha de dona Joaninha não desconfiava é de que adultério, já há algum tempo, não é mais crime. Portanto, era em vão a tentativa de tentar registra comigo os desvios de conduta do seu Antenor. Aliás, dona Joaninha nem queria “denunciar” o descuido do marido. Estava ali porque havia desabafado com a vizinha mal informada. E aceitara a companhia dela para colocar o cônjuge “na Justiça”.

- Exato, senhora, não é mais crime.

- É crime, sim! O que ele está fazendo com minha amiga é um crime!

- A senhora quem é, perdão?

- A melhor amiga dela. Eu a convenci a vir aqui, ela tem que colocar o safado no pau!!!

- Senhora, faça a gentileza de aguardar naquele banco, ali em frente.

- ...

- Por favor!

- ...

- Obrigado!

- Sabe, seu policial, eu nem queria registrar ocorrência. Casamento que acaba, acaba. Mas ela insistiu tanto. Vamos embora. E olha que custou tanto chegar aqui. Tenho ciática. Varizes. Sei que ele não faz por mal. Mas como se vive depois de um casamento de 40 anos. Só aprendi a ser dona de casa e a ser viúva, mais nada. Quero ir-me embora. O senhor perdoe.

E lá se foi dona Joaninha em meio à tarde improdutiva.

Assim como retornou tarde da noite. No quinto turno.

Mão enfaixada. O andar claudicante, de pernas cansadas. Apoiava-se em alguém cujas feições lembravam a dela, sem as tantas manchas que intempéries vivenciais lhe haviam pregado. Sua filha, o mais provável.

- O que foi dona Joaninha?! Como a senhora se machucou assim?

Ao estender a mão, notei-lhe a ausência do dedo anular.

- Deus do Céu, o que houve...???

A filha me respondeu. Ao voltarem da delegacia pela tarde, a vizinha avistara “uma dona” descendo do veículo. Foi o que bastou para que dona Joaninha se visse agarrada pelo braço, seguindo a desabalada carreira da vizinha em direção ao seu marido.

Já próximas, a vizinha lhe gritou aos ouvidos:

- Fala, fala para este ordinário tudo o que precisa ouvir!

Dona Joaninha, contou-me a filha, mal tinha fôlego para sustentar-se nas pernas, e ia tinha os joelhos já dobrando, quando decidiu apoiar-se na porta do carro. Quando, assustado, resolveu o marido arrancar com o veículo. Ao que, sabe-se lá como, ficou presa a aliança de dona Joaninha, em sabe-se lá qual lugar.

Resultado: um dedo e uma aliança a menos na vida de dona Joaninha.

A vizinha? Dela, a última recordação vinha da filha de dona Joaninha e era um diálogo, no hospital onde sua mãe fora atendida:

- Vou nada! Tô cansada de delegacia, cansada de resolver problemas dos outro. Vocês que são a família que cuidem. Na hora de se meter com o traste, ninguém me perguntou nada. Briga de marido e mulher...