Albert Eichmann. Nasceu em 1906 e terminou seus dias em 1962. Pendurado em uma corda. Punição! A lei do retorno em seu desfavor. Grosso modo, um homem de logística. Cuja tarefa consistia em dar vazão ao “aglomerado” de homens e mulheres de origem judaica que eram encaminhados às suas mãos pelo Estado alemão – em guerra contra a vida, dos outros.
Soube de Eichmann por uma filósofa: Hannah Arendt, judia de origem alemã. Ao cobrir o julgamento do nazista - ela foi enviada a Israel pela revista New Yorker - acusado por vários crimes de guerra, ela captou na essência daquele homem, e, para definir a ele e a todo o contexto no qual ele se inseria durante anos de carnificina, cunhou a expressão – banalidade do mal. Muitas a usaram, plagiaram, descontextualizaram. É um termo que exprime a quase alienação do carniceiro em relação ao mal que causou, valendo-se para isso de suas deturpadas noções de lei, Estado, burocracia, sociedade. Há outras peculiaridades no caso, ainda. Como o palco que o Estado de Israel montou, em âmbito mundial, uma das grandes medidas de propaganda política do pós-Guerra e de consolidação daquele Estado. Foda-se e a militância pró ou contra o sionismo – de onde quer que se erga – e vamos aos fatos, meus fatos.
Até aqui, só reminiscências. Mas Eichmann doeu. Machucou. A minha madrugada insone me conduziu a um sítio, o do pomposo e prestigiado periódico francês “Le Mond”. Que merda a madrugada faz com a gente.
Descobri que o julgamento de Eichmann tornou-se disponível pela internet. E voltei minha alma para as palavras de Hannah Arendt. As imagens do julgamento são simples, e por isso devastadoras. Porque atuais, passadas e, então, presente.
Ao descrever Eichmann, Hannah o faz dentro de seu conceito de “banalização do mal”, concluindo que o sujeito é de uma fina estirpe que agiu dentro das regras do sistema a que pertencia sem critérios sobre seus atos. Bastava-lhe cumprir ordens, desde que viessem de insanas “instâncias superiores” – uma alienação da responsabilidade. Para aquele tenente-coronel da SS nazista, lei era lei, perversa ou não, e foda-se o resto! Até que ele se fudeu!
Eichmann, o condenado à forca. O tenente-coronel com cara de vizinho chato, que se sentiu deprimido porque não tinha nenhum grupo a seguir quando do fim da guerra – até então, era fiel sócio da SS nazista. Eichmann, que apenas seguiu as regras e ordens. Uma regra escrita, ainda que perversa.
E nós? Existem Eichmanns do lado de baixo do Equador?
Como, se o que temos são regras democráticas do mais sacro pluralismo...?!
Pois a perversão, entre nós, está na regra não escrita. No implícito comando do “faça errado porque todos fazem assim, não adianta, não vai mudar nunca”.
E é essa a regra que prevalece, a da lei da vantagem. E todos nós a seguimos e, assim, vamos enchendo nossos comboios de almas, com as nossas caras e mãos lavadas, seguindo as regras. E em silêncio. Eichmann já não é vizinho: está dentro de casa, dentro de cada um de nossos silêncios eloquentes.